Morri. Naquele instante, nada mais restou de mim. Sentia a alma seca craquelando. Se desfazendo aos pedaços. Para não juntar inteira nunca mais. Morri mil vezes. Talvez mil e uma.
As palavras me cortavam como faca afiada. O sangue escorrendo em lágrimas por dentro. Eu chovia. Pega de surpresa pela dor, acordada no pior pesadelo. Não era possível que tanta coisa ruim estivesse acontecendo junto.
Vontade de urrar. Esmurrar a parede. Puxar os cabelos. Dizer que é injusto. Gritar:
- Afaste de mim esse cálice!
Se olhasse em volta direitinho, veria que há dores piores. Não olhei. Só queria tirar satisfações. Perguntar:
- Por que comigo? Por que de novo comigo? Por que só comigo? Por que os outros seguem felizes? Não dá, Deus, para mudar de alvo um pouco, de vez em quando?
A gente é pego de surpresa. Pela doença. Pelo medo da morte. Pela morte de quem se ama. Pelo desemprego. Pelo amor que se vai. Pelo amigo que, no fundo, não era nem confiável, nem amigo.
Nossas faltas, mágoas, dissabores dores ferem como cravos. Pregos que furam a alma sem anestesia e sem dó. Gritamos em vão. Não há respostas para o inevitável. É isso e ponto. Jeito é levar a vida. Soprar as chagas. Empurrar a cruz.
Olhando de longe, sempre parece que a cruz do lado é bem mais leve que a nossa. A nossa, claro, sempre a mais pesada de todas. Os outros carregam na facilidade de quem puxa mala de rodinhas. A sua, nem alça tem. Qual é o seu calvário? Quanto pesa a sua cruz?
Perigo de se vitimizar e se sentir um coitadinho é morrer em vida. Virar túmulo. Regar mágoas e perdas com o cuidado de quem cuida de um lindo jardim. Semeando um jardim de espinhos. De azedume.
Não faça isso. Reaja! É preciso guerrear. Não com os outros. Consigo mesmo. Pela capacidade de ousar partir para novos lugares da alma e do mundo. Se embrenhar no novo. Se recriar com o que sobrou de você. Quem te ama conta com isso.
Nascemos. Esse é o grande presente. Vida é ovo de Páscoa sem embalagem, sem colher e sem recheio. Uma espécie de brinquedo de montar. Faça você mesmo. E é num fazer constante que se aprende a viver.
Entre dores e perdas. Entre erros e acertos, tentamos. Nos grandes problemas, descobrimos o doce sabor das pequenas vitórias. O valor de se permitir lutar apenas um dia de cada vez. A necessidade da fé onde nada mais é esperança. A capacidade de andar sem ver luz no fim do túnel. De nosso mesmo, só escuridão. E a coragem de ir dando um passo atrás do outro.
A vida não é uma estrada linda, florida, limpa de obstáculos. A vida é um passeio na floresta, enquanto seu lobo não vem. Ele sempre vem. É aos poucos que a gente aprende a não mais se deixar devorar.
A grande questão não é descobrir o porque das coisas ruins que acontecem. Coisas ruins acontecem. Ponto. Só isso. Sobreviver a elas, essa é a grande questão. Se desdobrar em novas direções e possibilidades. Se redescobrir novo. E a cada morte, ressuscitar. Isso é a Páscoa.
Vida é Páscoa todo dia. Em cada leito de hospital onde alguém luta pela vida. Em cada trabalho que se faz honestamente na luta pela sobrevivência. Em cada casa, em cada coração que mesmo despedaçado, talvez principalmente por isso, precise aprender a ressuscitar.
Nessa vida de mortes certas, eu te desejo ressurreições.
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